Fascismo e Grande Capital

21 de janeiro 2024 - 21:44

“Fascismo e Grande Capital”, de Daniel Guérin, estudando a ascensão do fascismo nos anos 20 e 30 do século XX, coloca questões fundamentais para compreender a ascensão da extrema-direita na Europa de hoje… Por Álvaro Arranja.

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Milícias fascistas assaltam uma sede sindical em Roma.

O fascismo nasceu como milícia ao serviço dos latifundiários italianos da Emilia-Romagna, para esmagar as greves dos trabalhadores rurais, em 1919 e 1920. Os “Fasci di Combattimento”, grupos armados na origem do Partido Fascista Italiano, foram criados para defender os interesses da oligarquia e esmagar os trabalhadores e os seus sindicatos.

Um livro que tem merecido várias reedições em França, mas que tem sido esquecido em Portugal, "Fascisme et Grand Capital", de Daniel Guérin, com uma primeira edição de 1936, analisa a situação na Itália de Mussolini e na Alemanha de Hitler, levantando questões fundamentais para compreender a ascensão do fascismo.

Daniel Guérin é então, juntamente com Léon Trotsky, uma das raras figuras do movimento operário a atribuir importância ao estudo do fascismo e do nazismo. Na explicação do fascismo na Itália e também o nazismo alemão, privilegia a compreensão da situação social dos países.

É um contexto muito particular que assiste à emergência do fascismo. Nasceu na sequência da agitação dos trabalhadores nestes dois países após a Primeira Guerra Mundial. Na Itália, os anos de 1919 e 1920, conhecidos como “biennio rosso”, marcam o apogeu das lutas operárias. O patronato da indústria, mas também os grandes proprietários de terras, são forçados a fazer inúmeras concessões.

Para contrariar esta agitação dos trabalhadores, a propaganda e a democracia parlamentar não são suficientes. Muitas milícias foram formadas. Reprimiram violentamente esta agitação (o assassinato de Rosa Luxemburgo, por exemplo, em 1919, por membros do Freikorps, grupo paramilitar da direita alemã).

Rosa Luxemburgo, dirigente da esquerda alemã, assassinada em 1919.

Foi destas milícias que nasceram os partidos fascistas, que partiram então para a conquista do poder, e que o tomaram em 1922 na Itália e em 1933 na Alemanha.

Para Guérin, o fascismo não é uma corrente política proveniente da burguesia dominante, mas devido à sua mística e ao seu posicionamento na luta de classes, rapidamente ganhou o seu apoio, mais particularmente da indústria pesada (siderurgia, minas, etc.) cujos interesses estão muito directamente ameaçados por greves e dependem, em grande parte, das encomendas do exército e da indústria bélica. Por outro lado, os grupos da indústria ligeira estão mais inclinados a acordos políticos. O apoio e o compromisso da grande burguesia com o fascismo, minimizados ou mesmo obscurecidos na maioria dos livros de história, são aqui estudados detalhadamente, com base em extensa documentação.

Contudo, o fascismo não é apoiado apenas pela burguesia. Ele também é capaz de convencer e envolver categorias da população que os políticos burgueses habituais já não conseguem alcançar. Através da sua mística e da sua retórica, consegue seduzir a pequena burguesia, as classes médias particularmente assustadas com a “proletarização”, bem como certas parcelas da classe trabalhadora...

Os fascistas, na Itália e na Alemanha, não chegam ao poder através de um golpe de Estado, nem de uma revolução, mesmo que seja nacional. São as elites burguesas que lhe abrem as portas do poder. Durante a grande marcha fascista sobre Roma, em novembro de 1922, foram os autocarros do governo que transportaram os Camisas Negras de Mussolini, parados a 70 quilómetros de Roma, para a cidade. O mesmo padrão repete-se na Alemanha, onde Von Papen, apoiado pelas elites prussianas, chama Hitler ao poder.

Deve ser dito que estas tomadas de poder ocorrem num contexto particular: num contexto de crise, com os políticos burgueses da democracia parlamentar completamente desacreditados. Intervêm também num contexto de luta de classes exacerbada. Apesar da agitação social, a classe trabalhadora não foi capaz de fazer a revolução, mas por outro lado, fez o suficiente para que a grande burguesia considerasse recorrer ao fascismo.

É também por causa da falência das organizações de trabalhadores que o fascismo atinge os seus fins. Esta falência, que é uma censura dirigida por Guérin aos partidos comunistas, mas também aos partidos sociais-democratas, tem várias causas. A primeira é a divisão. Assim, durante dois anos, na Alemanha, as milícias do Partido Comunista preferiram atacar os sociais-democratas do SPD, em vez das SA nazis. É também o refúgio na legalidade burguesa e a recusa de enfrentar frontalmente os fascistas nas ruas que é a causa da derrota das organizações dos trabalhadores. O SPD alemão formou uma milícia poderosa capaz de enfrentar as SA, mas recusou-se a atacar os nazis, preferindo confiar na polícia...

Mas para a oligarquia, a opção é quebrar impiedosamente a atividade dos trabalhadores, lançando bandos fascistas contra os sindicatos, os partidos e as cooperativas.

O que há de novo no fascismo, o que o diferencia das formas clássicas de exploração capitalista, é um novo agrupamento de classes e uma nova ideologia. O objectivo é incorporar o próprio proletariado numa vasta formação política à qual as classes médias intrinsecamente instáveis ​​não deixam de aderir. Propagamos assim a ilusão de que já não existe antagonismo entre exploradores e explorados.

Vários mitos são criados, divulgados com grandes meios de propaganda: os da unidade nacional e da raça, a missão histórica, o salvador providencial (um Duce, um Führer, cujas origens populares lisonjeiam as massas). Na fase desejada da evolução do fenómeno, o Partido Fascista apodera-se do Estado que depois absorve tudo, torna-se totalitário. Tudo cede a este trágico engano, sendo os adversários exterminados.

Guérin descreve também o grupo daqueles que chama de “plebeus” do fascismo. São pessoas sem consciência de classe e famintas que acreditam na virtude da nova fórmula do nacional-socialismo. Seguem os líderes de um partido, fascista ou nazi, que se acredita e se autodenomina revolucionário.

Mas o grande capital não pode tolerar a sua demagogia por muito tempo. Mussolini e Hitler (na “noite da facas longas”) livraram-se dos seus apoiantes comprometedores, defensores de ideias “revolucionárias”. O exército regular suplanta as secções de assalto ou incorpora-as. As contradições entre os fascistas “plebeus” e a oligarquia económica, acabam por ser resolvidas em benefício desta última, que consegue estabelecer uma espécie de ditadura militar do tipo antigo, onde tudo o que resta da ideologia fascista é apenas o necessário para iludir ainda mais as massas.

Guérin desmarcara todas as ilusões anticapitalistas utilizadas na propaganda do fascismo, mostrando que a sua ação visa o reforço do capital industrial e financeiro.

“Fascismo e Grande Capital”, estudando a ascensão do fascismo nos anos 20 e 30 do século XX, coloca questões fundamentais para compreender a ascensão da extrema-direita na Europa de hoje…